Por Gabrielly Pereira e Alexia Dalbem
O evento Identidades, que ocorreu nos dias 25, 26 e 27 de setembro, teve como temática “A questão da negritude na diáspora: três aspectos sociais da identidade negra” e foi organizado pelo grupo PET Dimensões da Linguagem. A primeira edição do evento, que pretende seguir como projeto permanente, contou com palestras ministradas por intelectuais negras que discutiram educação, políticas estatais e representatividade.
PRIMEIRO DIA
A cerimônia de abertura do evento, na tarde do dia 25, se iniciou com atividades de integração com a comunidade acadêmica e local, no pátio do ICHS. Em roda, os participantes fizeram atividades em dupla, contaram um pouco mais sobre eles mesmos e criaram suas próprias histórias. A oficina focou nos ensinamentos através da oralidade e para Tulane, contar histórias é importante para a construção e fortalecimento da identidade negra: “As nossas histórias são ancestrais. A contação de histórias nos permite entrar em contato com outras referências da nossa própria ancestralidade, como os itãs, que são os contos africanos de tradição que o candomblé guarda e preserva”.
Tulane Oliveira, que além de “oficineira”, segundo ela mesma, também é psicóloga formada pela UFF e integrante do Grupo Afro Agbara Dudu, falou sobre a importância da palavra, da escuta, da oralidade e de, principalmente, estar atento ao processo contação de histórias. “Nós somos um povo de tradição oral também, então estar atenta a contação de história, a ouvir e contar nossas histórias, como foi na oficina, cuida dessa preservação e da importância dessas histórias que carregamos com a gente”.
Quando questionada a respeito da importância de um evento como o Identidades, Tulane ressaltou a dificuldade de falar sobre a identidade negra e classificou a iniciativa como “incrível”. “A estrutura que a gente vive é uma estrutura que nos leva sempre a não falar sobre identidade da população negra. É uma estrutura que não só silencia, mas também prejudica que esse processo ocorra. Então, a partir do momento que a gente vive nessa estrutura silenciadora das nossas questões, do nosso próprio processo de vida, de autonomia, de afirmação, um evento desses, principalmente numa universidade que é um espaço público e teoricamente popular, é fundamental porque quebra com esse silenciamento e propicia que esse debate aconteça”, concluiu ela.
Ainda na tarde do dia 25, o Grupo Afro Agbara Dudu, também ofereceu oficinas de percussão e dança afro. Mais dinâmicas, essas atividades foram realizadas ao mesmo tempo; enquanto alguns eram ensinados a tocar, outros eram ensinados a dançar e contou com um grande número de participantes envolvidos com a música e os movimentos.
Fragmentos do evento no primeiro dia
Ao fim das atividades do dia, o IDENTIDADES promoveu suas primeiras palestras. Todas as palestrantes convidadas são intelectuais negras que contribuem cientificamente com temas que incidem diretamente sobre a política antiracista. Luziara Novaes, mestranda e graduada em Pedagogia pela UFRJ ministrou a primeira mesa com o tema: “Racismo Religioso: O que dizem as mães de santo?”, que abordou a criminalização das religiões de matriz africana e intolerância religiosa como um dos desdobramentos do racismo a partir de sua pesquisa em que entrevistou mães de santo que tiveram seus terreiros depredados.
Logo após, Katíuscia Ribeiro e Fernanda Felisberto falaram sobre os desafios das práticas de ensino ético-raciais na mesa “Preta e acadêmica, professora e doutora”. Katíuscia é filósofa pela UFRJ e ressalta a importância de afirmar que as raízes filosóficas são oriundas do continente africano e que toda a filosofia de África vem sofrido um epistemicídio frente ao conhecimento hegemônico europeu. Já Fernanda Felisberto é professora no departamento de Letras da UFRRJ – Nova Iguaçu e tutora no PET Baixada. É mestre em Estudos Africanos, com ênfase na literatura nigeriana contemporânea e doutora pela UERJ. Suas pesquisas trazem ao centro importantes escritoras negras que são invisibilizadas diante do massivo cenário literário masculino e branco.
A mesa foi mediana por Rhoana Nunes, uma das idealizadoras do evento que se despede do PET Dimensões por concluir sua graduação em Relações Internacionais. “Tive a oportunidade não só de gerir como de participar de algo que é quase único. A gente tem na universidade pouquíssima representação negra e ainda menos o negro como foco do assunto. Pra mim foi incrível. Foi um enriquecimento não só acadêmico e cultural mas um enriquecimento pessoal. Uma oportunidade de poder voltar às minhas raízes, lembrar da minha ancestralidade e me fortalecer como mulher negra”, declara.
SEGUNDO DIA
No segundo dia de evento, Aline Maia esteve presente no auditório Paulo Freire e compôs a mesa Violência e o Aparelho Estatal: Mulheres Negras na Sociedade. Aline é especialista em segurança pública, cientista social e mestre em antropologia. Sua principal pesquisa atualmente é a investigação de homicídios de mulheres negras pelo Estado. Aline falou sobre o sistema anti-negro e a importância do ativismo como forma de combate e resistência, mas também, suas implicações que culminam em extermínio, como o caso de Marielle Franco e algumas ativistas dos Panteras Negras, perseguidas até os dias de hoje, após 40 anos de dissolvição do grupo.
A palestra seguinte foi complementar à anterior e respaldou o autocuidado da mulher negra. “Bem-estar do corpo e da mente”, a mesa contou com Ayanna Sisi e Mariana Ferreira, psicóloga e médica ginecologista que abordaram, em seus respectivos campos, as consequências e os efeitos do racismo. Ayanna discorreu sobre o paralelo entre a psicologia e preconceito de raça e sobre como estes assuntos estão interligados a partir de sua perspectiva como psicóloga negra. Mariana falou sobre suas experiência como médica negra da rede privada e pública e a luta integral à saúde da mulher, a violência obstétrica e o tratamento diferenciado que recebem mulheres brancas em comparação as de pele pigmentada.
Entendendo o peso dessas questões, a comissão organizadora promoveu um cine-debate em seguida que possibilitou ao público um clima mais ameno. “Um Limite Entre Nós” protagonizado por Denzel Washington e Viola Davis, indicado ao Oscar, trouxe reflexões sobre a discriminação no mercado de trabalho e a renúncia de sonhos para a construção de um lar que uma família negra está exposta. O debate após o filme foi construído pelo grupo e pelo público e ali, naquele espaço, todos se sentiram a vontade para retratar aspectos das cenas que atravessaram suas questões particulares.
TERCEIRO DIA
O terceiro dia se iniciou com uma oficina de samba no pé, ministrada por Isabela Rodrigues, aluna de Educação Física na UFRRJ e professora da modalidade. A atividade contou com um pequeno grupo foram ensinados passos da dança. Primeiramente, sem música e para fixar; logo depois, com música e para praticar.
Isabela, que dança desde criança e hoje é passista da Beija Flor de Nilópolis, acredita que a comunidade negra e o samba precisam de um espaço como o proporcionado pelo Identidades. Além disso, segundo ela, essa dança construiu a identidade negra através da alegria. “Eu acho que é tudo (a dança). Dança traz muita alegria, muita coisa boa. Era uma forma da galera se expressar antigamente, de esquecer a tristeza e o sofrimento. A dança, assim como a percussão, foi a nossa válvula de escape. Não tem nada melhor do que dançar”.
Logo após, Su Ferreira, estudante de História da UFRRJ e trancista, esteve presente para ensinar a técnica das tranças nagôs e um pouco de sua história, importância e ancestralidade.
O Núcleo Cultura de Rua e Nyl MC, convidados pelo Identidades, formaram uma roda de rima na Sala de Cultura onde puderam trocar experiências proporcionadas pelo Rap e o Hip Hop. O Núcleo foi formado em 2016 na UFRRJ e hoje atua como projeto de extensão e todas quintas-feiras organiza a Roda de Rima, além de estarem presentes nas escolas do entorno incentivando os estudantes a se expressarem através de músicas e mensagens. Nyl é um jovem de Irajá que está em cena desde 2007 e lançou seu primeiro CD pela produtora Nova Black. O evento coincidiu com o fim da semana acadêmica de Belas Artes e o espaço esteve tomado de música, arte e expressão.
Frente ao acontecido com Valéria dos Santos, advogada negra arrastada por policiais militares no Tribunal de Duque de Caxias, o IDENTIDADES fez questão de promover a mesa: Direitos Humanos e o Racismo no Sistema Judiciário. Flávia Ribeiro, advogada e presidente da Comissão da Verdade Negra, convidada como palestrante pelo IDENTIDADES, deu um panorama histórico sobre a negritude a partir de um respaldo jurídico, desde como o negro tido como mercadoria garantido por lei até os casos de racismo vividos por estudantes de renomadas instituições.
O fechamento do último dia do IDENTIDADES contou com exposição de trabalhos já realizados por outros grupos PET, onde foi possível entender a incidência direta dos projetos frente à comunidade local e acadêmica, e por afro desfile de moda étnica, com peças de roupas trazidas de diversos países africanos. Ao todo, o IDENTIDADES contou com 5 palestras, treze voluntários, 7 atividades culturais, mais de 500 curtidas na páginas e 182 inscritos em três dias de evento, além da feira de afroempreenderismo, distribuição de brindes doados por patrocinadores e exibição de seriados entre as pausas das atividades.