Após seis anos como tutor do PET, o docente revela detalhes desde a criação do Programa até seus maiores aprendizados
por Alexia Dalbem

Foto do professor Ramoffly Bicalho.
Ramoffly Bicalho é professor da Rural há 10 anos. Quando passou no concurso, entrou na Universidade para lecionar nos cursos de História e Pedagogia. Logo que chegou à UFRRJ, em 2008, Ramoffly recebeu um convite da vice-reitora a época, professora Ana Dantas, para ajudar a criar o curso de licenciatura em Educação do Campo, uma graduação que já era realidade em outras universidades pelo Brasil. Em 2013, o curso foi institucionalizado e regularizado.
A admiração e interesse de Ramoffly pela educação do campo vieram desde os tempos em que era aluno. Em 2012, quando o Governo Federal liberou edital para que houvesse a ampliação dos Grupos PET pelo Brasil, ele resolveu tentar a criação do PET Educação do Campo e Movimentos Sociais no Estado do Rio de Janeiro. Concorreu com mais de 200 grupos a nível nacional e conseguiu uma das 12 vagas disponíveis. E é a partir daí que começa a história de Ramoffly como tutor.
O PET Educação do Campo e Movimentos Sociais
Líder do PET Educação do Campo e Movimentos Sociais há quase seis anos, e agora de saída do Programa, Ramoffly conta que a intenção inicial dos professores não era criar um PET curso, exclusivo para alunos da licenciatura em Educação do Campo, mas sim um PET multidisciplinar. Com isso, este PET envolve várias licenciaturas, como História, Filosofia, Ciências Sociais e Agrícolas. “Minha preocupação básica é de que o debate sobre educação do campo extrapolasse a licenciatura de Educação do Campo. A gente estava imaginando que os professores de História, Português, Ciências Sociais, LICA (Licenciatura em Ciências Agrícolas) iriam em alguma momento ser aprovados nos concursos e poderiam atuar em alguma escola do campo. Então que ele na sua graduação tivesse oportunidade de conhecer um pouco do debate da educação do campo do Brasil”, contou Ramoffly.
O primeiro aspecto de importância que o professor ressalta a respeito do Programa é que o investimento em pesquisa durante os mais de cinco anos de existência do PET Educação do Campo e Movimentos Sociais foi grande. Dentre as diversas atividades dos petianos, a participação em congressos e eventos científicos e a publicação e apresentação de banners e trabalhos completos constituem a filosofia dos alunos sempre participarem atuando, e não apenas como ouvintes. Além disso, todo material produzido pelos alunos acabaria resultando em monografias ou uma porta para o mestrado, por exemplo.
O segundo aspecto de investimento dentro do PET é o da extensão. Dentre os diversos trabalhos que os alunos fazem estão o debate da agricologia, trabalho com hortas, projetos de extensão que tratam sobre os livros didáticos utilizados nas escolas do campo, sobre a formação de professores e a educação de jovens e adultos nestas escolas. Tudo isso nos bairros da Baixada Fluminense, como Nova Iguaçu, Japeri, Paracambi, Queimados.
Quando perguntado a respeito da importância de ter um PET que trate de questões relacionadas à educação do campo na prática, Ramoffly entende que trabalhos como estes precisam ter continuidade, mas, além disso, crescimento. “O apelo nosso não é nem para que permaneçam os Grupos PET, mas para que se ampliem porque ele fez a diferença na vida da classe trabalhadora. Eu que nasci em Nova Iguaçu e sou filho dessa classe trabalhadora tenho consciência disso.”, disse Ramoffly.

Ramoffly em entrevista ao portal.
As origens da Baixada dentro do PET
Morador da Baixada Fluminense há 48 anos, Ramoffly conta que não conseguiria imaginar um PET que não tratasse das questões e realidade locais. Mesmo com outros campi espalhados pelo Estado, ele acredita que os dois mais fortes da UFRRJ estão localizados na Baixada Fluminense, sendo o principal em Seropédica, e outro em Nova Iguaçu, o Instituto Multidisciplinar (IM). “Não adianta a gente ter um curso seja lá qual for que minimamente não discuta a realidade das pessoas que estão aqui dentro. Uma boa parte das pessoas que estão nesta Universidade são oriundos e filhos da Baixada Fluminense”, opinou Ramoffly.
Como forma de mostrar que as raízes da Baixada importam, o processo de seleção para se tornar petiano solicita que o candidato elabore uma carta de intenções na qual precisa deixar claro o que deseja aprofundar em termos de ensino/pesquisa no PET. Para isso, é necessário que o candidato também apresente um projeto que contemple a Baixada Fluminense. “Não adianta chegar aqui nesse grupo e querer discutir agricultura familiar em Campos dos Goytacazes. Nada contra Campos dos Goytacazes. Não adianta querer discutir a organização do MST e da CPT no Norte Fluminense. Nada contra MST e a CPT no Norte Fluminense, mas tudo isso dá para ser discutido na Baixada Fluminense. Eu não preciso para Campos para discutir agricultura familiar, eu posso discutir na Baixada.”, disse o tutor.
O legado de Ramoffly
Quando perguntado a respeito do legado que deixa para os 14 grupos PET da Rural, Ramoffly conta que sua maneira de trabalhar era baseada na flexibilidade de horários. “Eu teria reuniões semanais com os petianos, só que eu não teria as reuniões semanais com todos os petianos ao mesmo tempo. A gente dividiu em grupos. Então, em uma semana no horário x eu tenho reunião com pessoal que está trabalhando e desenvolvendo trabalho de extensão. Na outra semana eu tenho reunião com pessoal que está desenvolvendo trabalho de pesquisa, escrevendo artigo para publicar. A gente dividiu por tarefas. Eu não preciso ter reunião com todos os 18 petianos. A gente (ele e os 18 alunos) se encontra uma vez por mês e nas outras três semanas a gente tinha reuniões menores.”, contou ele.

Ramoffly com alunos do PET Educaçaõ do Campo, no Intrapet 2017.
Segundo o tutor, este tipo de organicidade para trabalhar é melhor para conversar, dar atenção e até mesmo cobrar os alunos. Além disso, com a ferramenta do e-mail, Whatsapp e Facebook, ele acredita ser muito mais fácil saber como os alunos estão se saindo, cada um em sua função.
Já para o PET Educação do Campo e Movimentos Sociais, o professor presume que tenha consolidado bons projetos de extensão ao longo do seu tempo como tutor. Ademais, outro ensinamento que Ramoffly entende ter deixado aos seus petianos é sobre a necessidade da dedicação à escrita. Ele acredita que escrever seja necessário não para agradá-lo, mas para “participar de um evento, publicar em uma revista, porque isso vai contar pontos daqui a pouco para a seleção do mestrado, para uma especialização, porque todos vão ter que fazer uma monografia e vão ter que defendê-la para uma banca de professores. A escrita é essencial em um PET da área de Ciências Humanas e Sociais.”, explicou ele.
Os aprendizados da trajetória
Mesmo com muitas experiências anteriores a Universidade, Ramoffly tem como filosofia uma frase de Paulo Freire que diz que a “formação continuada é eterna” e entende que vive sempre no processo da aprendizagem. Com o fim do ciclo como tutor do PET Educação do Campo e Movimentos Sociais, o professor considera que seu maior aprendizado foi ter lidado com uma diversidade de pessoas: concepções históricas, políticas, sociais; diferentes etnias, raças, gêneros e histórias de vida. Segundo ele, mais de 40 petianos passaram por ele ao longo desses quase seis anos.
Mas, além de lidar com diferentes tipos de pessoas, Ramoffly também teve que lidar com diferentes propósitos e projetos dentro do Programa. Mas não apenas isso, ele conta que além de buscar entender as necessidades dos seus alunos, teve também que aprender sobre novas temáticas e perspectivas. “Eu tinha pouca leitura sobre educação quilombola e indígena, pouquíssima leitura de movimento negro. A minha carga de leitura é muito sobre a educação vinculada à reforma agrária. Então, quando eu tenho petianos que são quilombolas, caiçaras, indígenas, do movimento negro, LGBT e eles vem discutir essas questões com a educação do campo, eu preciso me apropriar daquele saber. Então eu fico imaginando que talvez esse tenha sido meu maior aprendizado. Costumo dizer para eles que quem mais aprende nisso tudo sou eu. Aprendo muito mais do que eles. Eles são meus professores na maioria das vezes.”, concluiu o professor.
O fim do ciclo e planos para o futuro
Após seis anos de muitas descobertas e aprendizados, Ramoffly acredita que seria injusto e contraditório de sua parte não viver novas experiências ou impedir que os alunos conheçam novas lideranças e atividades. “Eu digo para eles que eles precisam conhecer outras pessoas, outros projetos, outras formas de trabalho. Seria injusto da minha parte concorrer e ficar mais seis anos quando tem outros colegas do meu departamento que querem assumir”, disse o professor.
Além de acreditar não ser saudável para o PET ter um professor que fique ad aeternum como tutor, impedindo que a rotatividade aconteça, sua saída do Programa possibilita a oportunidade de respirar outros ares. “A gente está assumindo outra coordenação, que é o programa Escola da Terra para trabalhar com 100 professores dos municípios da Baixada Fluminense que atuam em classes multisseriadas. É um projeto que estou começando a me envolver. Projetos de educação do campo não faltam. Vou sair, respirar novos ares e quem sabe daqui a seis anos eu volto?! O negócio é arejar a cabeça.”, finalizou Ramoffly.